Uma cena
Chega sorridente ao local de votação. Veste roupas oficiais da seleção nacional. Entrega o celular e vai para urna. Digita rapidamente o número e segue ao confirma. Nessa hora, sente uma presença
-Quem está aí?
-Não lembra mais de mim?
-Mãe?
-Claro.
-Então existe mesmo o outro mundo?
-Parece.
-Quebramos a cara então.
-É verdade, mas não vim falar disso.
-Sentiu minha falta? Eu tenho sentido muito a sua, mãe.
-Essas coisas desaparecem quando estamos em outro plano. Entrei num estado de serenidade. Você faz falta sim, porém meu assunto agora aqui é outro.
-Qual?
-Na verdade, vim ver em quem você vai votar.
-Votar?
-Claro, do contrário não teria aparecido exatamente na cabine.
-E o que lhe interessa isso? Já não disse que está serena? Para que vai se preocupar com um negócio desse mundo?
-Tem razão, só que está aí algo que as histórias inglesas acertaram. Mesmo mortos, temos vontade de justiça. Essa não some de jeito nenhum.
-Está bem. E o que tem meu voto a ver com isso?
-Já não se lembra como morri?
-Claro que lembro.
-Então conte-me.
-A Senhora morreu do vírus, sem ar. Não teve nem como levar para o hospital.
-Errado. Você tentou levar, mas não tinha vaga, nem oxigênio.
-É verdade.
Os dois ficam calados. O filho começa a lacrimejar.
-Então, agora eu vim ver como vai ser seu voto. Se pelo menos me fará justiça.
-Mãe, a senhora está sendo egoísta. Isso já passou. Eu estou pensando no que é melhor para todo mundo. Além disso, os candidatos que escolhi vão ganhar de qualquer jeito.
-Eu não vim aqui discutir sobre o que é melhor para todo mundo, nem sobre quem vai ganhar. Apesar de você saber que não é verdade o que diz. O quero ver é se você vai ter coragem de cuspir no meu caixão e não me vingar. A sua resposta pelo menos eu gostaria de ter. Já haviam me contado qual era sua escolha, só que achei que estava tentando enganar seus amigos. Então vim conferir por mim mesma.
-E vai fazer o quê se eu votar em quem a matou?
-Nada. Eu nem ia falar, mas você me percebeu. Eu só quero ver com meus olhos etéreos.
As pessoas começam a conversar entre si. A mesária pergunta se há algum problema.
-Seu tempo acabou. Está na hora de votar.
-E o que eu faço?
-Escolha.
-Só isso?
-Escolha. Você decide que personagem vai ser.
As luzes se apagam, e a sala fica estranhamente escura por alguns segundos. Quando se restabelece a normalidade, o filho está sozinho. Aperta tremulamente os botões e, desfazendo-se em lágrimas, faz o caminho de volta para casa.
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