Há exatamente dois anos, a cidade de Manaus afundava naquilo que foi a maior crise sanitária de sua história, e a grande catástrofe pandêmica mundial. O sistema colapsou e as pessoas nos hospitais morreram sem ar. A desgraça geral e politicamente formada atingiu no país patamares até antes inauditos.
Contudo, de maneira não tão surpreendente porque previsível, o esquecimento aos poucos foi tomando conta dos que atravessaram a calamidade, num movimento que seria nietzscheanamente trágico não fosse bizarro por completo. Inebriados pela força da propaganda, da ideologia e do dinheiro, todos resolveram passar adiante, e foram tornando aos poucos as imagens pungentes em nada mais do que um sonho ruim.
Claro, tudo isso foi deliberado, e tinha um lógico objetivo, que era o de conceder eleitoralmente anistia aos algozes por meio de um novo mandato público. O procedimento, por mais torpe que parecesse, funcionou. Hoje, sem ninguém atrás das grades, a maioria dos responsáveis não só se alivia, como também comemora recentes êxitos.
Porém, para azar deles, nós, que não mergulhamos mais que o necessário no rio do esquecimento, aqui estamos, e pelo exercício ativo da memória vamos resistindo e lhes apontando o dedo, a fim de recordar que sim, a miséria abatida sobre nós poderia ter sido evitada, e sim, foram eles que provocaram o infortúnio, e sim, eles ainda hão de arcar com as consequências de seus malefícios.
É o que devemos às vítimas e a nós mesmos. É do que precisamos para termos a memória sadia e voltada para o que não se deve esquecer, não para cultivar o ressentimento, mas para fazer persistir na humanidade um agudo senso solidário e justo. Assim, por mais um ano lembramos, por quanto for necessário seguimos.
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