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Há pelo menos quatro maneira pelas quais podemos nos debruçar sobre uma obra literária enquanto produtores de uma interlocução com ela: como crítico, teórico, estudioso ou comentador.
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O crítico julga as obras, ou seja, reconhece seu valor e lugar dentro de uma ordem qualitativa, não necessariamente precisa. É um trabalho legítimo, embora atravessado por critérios bastante discutíveis.
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O teórico enuncia de que maneira uma obra literária contribui para a melhor compreensão de seu conceito e suas categorias fundamentais. É uma atividade abstrata que se aproxima da filosofia, apesar de não a ser, na medida em que teoria ainda não é filosofia.
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O estudioso, por sua vez, é o ligador de pontos, o pesquisador, que organiza a obra dentro de uma lógica epistêmica, seja ela intrínseca à literatura ou relacionada a outros campos do conhecimento.
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A cultura acadêmica, hoje dominante no debate literário – inclusive o mais público, tem preconizado a figura do estudioso. Parte geralmente do princípio de que criticar é pedante, e de que a teoria está reservada somente aos magnânimos e sobrecomuns. Assim, basicamente o que se diz da arte é o que se permite dizer segundo o estatuto dos referenciais.
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O problema gerado a partir daí nos é bastante óbvio. Formulando um âmbito cada vez mais específico de investigação, o estudioso finda por fechar os esquemas imersivos quanto à obra, determinando uma série tão rigorosa de requisitos que a entrada nela se torna impossível, a menos que o indivíduo se converta também em um letrado, quer dizer, um estudioso como ele.
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Tal presunção em nada tem a ver com o propósito imanente à literatura. Ora, os textos foram feitos para circular, correr entre leitores, alcançado a maior esfera possível de entes sensíveis a eles. De nenhum modo, até nas produções mais exigentes, o autor cobra que se faça algum tipo de curso profissional que lhe permita fruir o que escreveu. Se há critérios de leitura, esses podem ser achados pelo público por si – exceção feita aos crescentes casos de acadêmicos que escrevem uns para os outros.
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Resulta desses processos então o que se nota amiúde: dissertações e teses que não dizem uma linha luminosa para além dos pares, e uma porção de prefácios e posfácios que ninguém lê, isso sem falar nas resenhas cada dia mais minúsculas dos jornais e revistas, que muitos consideram indicar a decadência da literatura, mas que talvez seja só dos seus analistas.
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Em contraposição aos eventos deletérios do devir literário, é que podemos evocar a quarta maneira de atuar junto aos textos. Nesse plano, o comentador seria aquele encarregado de relatar sua experiência de leitura, a qual, por certo, quanto mais bem fundamentada, mais rica pode ser, o que significa que este não abriria mão de nenhum rigor necessário, ou mesmo de referências eruditas, mas tão somente iria visar traduzir tais elementos em uma interpretação livre e desamarrada de anseios metodológicos, tal como conversamos em uma mesa entre amigos.
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Nesse momento, seria válido alguém interpor-se a essas elucubrações, dizendo: “mas essa discussão já tem sido feita há tempos, você não está trazendo nada de novo, muito menos de concreto. Diga-nos o que propõe ou não nos faça perder tempo”.
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A esse duro e relevante questionamento, só haveria uma resposta verdadeiramente útil. A sugestão é: abandonar o método, romper com toda e qualquer ordem estática na interpretação das obras, extinguir o tópico da metodologia dos projetos, ou, caso isso seja impossível devido tratar-se de um estudo, que o candidato se arvore a escrever no mínimo dois textos, quais sejam, um tratado acadêmico e uma experiência de compreensão livre.
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Isso é algo que já é feito na ciência, configurado na diferença entre produção e comunicação científica. Onde o debate é hermético e codificado, cuida-se de encontrar uma escritura pela qual ele possa andar mais facilmente. A literatura, em tese, não deveria exigir nada disso, porém somos obrigados a admitir que é algo necessário em nosso tempo.
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Diante da isofonia pós-moderna e da hegemonia da indústria cultural, se a literatura em seu todo permanecerá relevante, isso depende do fato de podermos recolocá-la no mundo.
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Ler a obra, a seguir o comentário. Compartilhar a leitura. Ampliar a experiência. Está aí a comunidade e sua vida estética.
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