O site do Instituto Brasileiro de Coaching anuncia seu novo processo de formação sobre o Coaching Ontológico e, o anuncia da seguinte forma:
Em suma, esse termo designa a área do Coaching que utiliza uma metodologia derivada da Ontologia, um campo teórico criado em meados do século XVII. O Coaching Ontológico busca acompanhar e entender os indivíduos em seu processo de aprendizagem, para aumentar o poder de ação e expandir as interpretações que o coachee (aluno) tem de si próprio. Para concluir esse objetivo, a metodologia expande os estudos a respeito dos três campos responsáveis pelas atitudes e comportamentos do ser humano: emoções, linguagem e corpo. Sendo assim, o processo de Coaching Ontológico é uma ferramenta indispensável para que o coachee consiga realizar mudanças significativas em seus comportamentos e suas atitudes, que podem estar sabotando o seu sucesso profissional e pessoal*. (Destaques nossos)
Será que os marxistas da New Age, estão querendo trazer para este campo da autoajuda profissional as teorias sociopolíticas e econômicas de Marx para qualificar o “Capital Humano” dos seus membros e simpatizantes? Foi esta a primeira questão que assombrou meus pensamentos quando me deparei com Viver com Marx de nosso caríssimo amigo e colega professor Victor Leandro da Silva e, ao ler seu ensaio me senti chamado a realizar uma crítica fiel às ideias que este verdadeiro “intelectual orgânico” quer nos transmitir em seu texto.
Victor convida seus leitores a procurar uma vida mais satisfatória, porém, ele não nos diz o que entende com tal sentença e, isto desde um horizonte de compreensão materialista, onde viver não pode ser entendido como existir, já que os seus pesadelos foram, justamente, criados pela corrente existencialista da filosofia, a qual, salvo melhor entendimento, leva inexoravelmente ao niilismo e a perda do sentido de viver; assim, que o tema eixo da filosofia não seria a vida e, sim, a morte, último degrau a ser atingido no desenvolvimento material da pessoa. Destarte, pode um materialista nos convidar a procurar um sentido, senão transcendente, pelo menos, transparente do viver? Este questionamento de entrada é um belo tira-gosto que nos motiva a continuar o sendeiro literário de sua proposta.
Sem tratar de ensinar o pai nosso ao vigário atrevo-me a dizer que Victor nos está chamando a assumir o compromisso pela construção e vivência de uma existência autêntica no agir, na ação diária, ao interior de uma sociedade plural, diversa e comunitária; e, quero enfatizar este último conceito, comunitária!
Todavia, o ensaio de Victor nos deixa em aberto outro conceito agir produtivo, não é isto, o que no dia a dia a prática neoliberal nos condiciona, produzir cada mais e mais para aumentar o PIB, melhorar a qualidade de vida, trazer mais tecnologia ao mundo cultural, visto e pensado como o maior artefato humano já construído; claro, Victor não pode estar pensando em uma forma de produção desde a perspectiva capitalista; pois, até Marx se ressentiria de ver tergiversada toda sua análise e investigação dedicada ao capitalismo.
Considero, e, Victor deixa isso transparente no percurso de seu escrito, o seu chamado para que possamos juntos construir um outro caminho, um outro sujeito e em definitiva uma humanidade nova, que vivencie com consciência de si a diversidade das mulheres e dos homens que com cultura e em sua natureza e mundo, lutam por preservar a casa comum em sua multiplicidade.
Logo então, produzir é a autopoiese, criação e recriação, do vivo em toda sua variada gama de manifestações, como micro e macro sistemas bióticos e, esta nova compreensão da produção pode levar, sim, à verdadeira felicidade ou aquilo que estou a chamar de existência autêntica; o qual não exime as diversas subjetividades pessoais de se atrever a criticar, questionar ou inquerir por si, para si e para os outros o que nos é apresentado como bem-estar e realização individual.
Entretanto, como podemos entender a expressão de Victor: "vida mais satisfatória"? Ele esboça a resposta, desde a compreensão da pessoa humana como zoon politikon, um ser que em sua mundaneidade é social, mas, isto, o temos entendido por ter racionalidade, capacidade de pensamento; porém, Aristóteles em sua Política, entendia esta pessoa como zoon politikos, um ser que por possuir capacidade de fala, era comunitário, tinha a necessidade de buscar seus semelhantes para interagir com eles, por isso, é a cidade o lugar por excelência onde se pode manifestar a opinião pessoal, onde se aparece e se mostra quem o sujeito é; não nos cabe nesta análise refletir sobre essas duas compreensões a de ser racional, de pensamento, de raciocínio e a de ser constituído de palavra, de fala, de logos, mas não no sentido da fria e isolada razão do liberalismo, que nos mergulhou na solidão e no individualismo do pensar “eu com migo mesmo” e hoje falsamente pensamos que por estarmos nas redes sociais estamos interconectados; o que podemos concluir com Aristóteles, Marx e Victor, que esse animal social, da solidão, do mundo das variadas mídias, não é a pessoa da solitude do pensamento, da linguagem, da comunidade.
Convida Victor a superar a compreensão liberal mecânica de vida e liberdade, não é só a inércia da natureza, o movimento, o que impulsiona a agir; tudo o que envolve a vida é práxis, a natureza, o mundo, o ser humano, é ação com consciência, isto, sim, um agir qualificado, que possui sentido e um objetivo a ser atingido. A vida não é só metabolismo efêmero, força aplicada, obra construída, mercadoria fetichizada, pessoa reificada, voraz consumismo inextinguível. Viver em Marx, pulsa para desconstruir a ideologia que identificou o mundo do trabalho, com o mundo da obra ou da fabricação, em seu fugaz metabolismo, que hoje se paga nesse consumismo desenfreado, que isolou o indivíduo no social, tirando-o da esfera pública!
O otimismo real do marxismo, chama-se utopia, nunca ilusão, chama-se poder construído em consenso, em união, em diálogo, em prol de objetivos e prioridades comuns; assim, ação, o agir qualificado, não é um exercício do íntimo do sujeito individual, não é isonomia legal, abstrata, racional, intangível. Agir qualificado é a máxima expressão da liberdade pública, vivida na esfera comum, na práxis comunitária.
Marx, o marxismo e Victor nos colocam frente outro dilema contemporâneo, como transformar a compreensão maledicente que o capitalismo desenvolveu do trabalho, entendido como domínio, exploração, criação de mais-valia ou simples, maldição? Marx ontologizou, generalizou, a pessoa humana na categoria trabalhador, isto em nível global não foi ruim, pois unificados os explorados e excluídos do sistema numa categoria, trabalhador, com consciência de si, de sua classe, de sua opressão, podem assumir sua força e poder transformador, libertador e, não se conceberem como simples produtores de riqueza dos senhores burgueses, empresários ou donos do capital.
Até aqui, tudo bem, porém, o que se pode dizer do que já se vê, prospectivamente, da falência do trabalho e dos trabalhadores frente ao desenvolvimento da Inteligência Artificial e do Cibercapitalismo, será que chegamos realmente à etapa final com a superação total do trabalho ao ser assumido pelas máquinas; a pessoa será reduzida à vida privada, ao individualismo de realização de suas diversas atividades isoladamente, terminará o espaço público e a manifestação das individualidades e subjetividades na esfera pública, será o fim da vida comunitária? Será isto a plena realização de uma vida satisfatória? Contudo, o pensamento e compromisso de Marx era estar no mundo comprometidos com sua constante transformação e qualificação; foi atingido este objetivo? Não, isto seria aceitar a morte e esta só existe para os cativos; ninguém vive só!
No seu percurso histórico a humanidade sempre tem lutado pela liberdade, sua garantia e segurança, sua continua ampliação e diversificação; reduzir a vida e a liberdade ao domínio privado, seria o total fracasso da civilização humana no mundo. O liberalismo econômico e hoje, o cibercapitalismo não podem triunfar; seu trunfo é a morte de tudo o vivo e senciente no planeta. E, agora, José? O que vamos fazer?
Viver em Marx chama a desenvolver e ampliar, ainda mais, uma visão e práxis teleológica; convida a redescobrir o sentido vivencial e a existência real; rumo à construção de objetivos comuns; de resgate do agir público do esvaziamento gerado pelo isolamento do social e as redes midiáticas; convida à responsabilidade de alcançar a tão almejada felicidade que, como tudo mais no mundo, é resultado da ação concreta e histórica coletiva, comunitária.
Assim, acredito com Victor que, uma vida satisfatória, uma existência autêntica e uma felicidade pública possam ser construídas por cada um, fortalecendo a esfera pública, o qual quer dizer que o agir qualificado, não é outro mais que, ampliar, consolidar e garantir a manifestação da liberdade pública na política. Pensar e agir; vida plena e felicidade não é realização individual e isolada; é compromisso com a vida humana e do mundo e, não com a morte e tudo aquilo que a produz!
Viver em Marx é continuamente aparecer com consciência de si na esfera pública. É manifestar a subjetividade e identidade pessoal no compromisso comunitário pelo amor ao outro e ao mundo todo, em sua diversidade e pluralidade. Viver a liberdade pública na realização da existência e na aquisição de uma vida satisfatória é a realização plena da felicidade como pública no compartilhar com o outro, com o diferente, como legítimo na convivência.
Antonio Enrique Fonseca Romero
Campinas – São Paulo, em 21 de setembro de 2023
*Cfr. In. <https://www.ibccoaching.com.br/portal/coaching/o-que-e-o-coaching-ontologico/> Acesso em 21 de setembro de 2023.
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