-Mais fácil encontrar um grande amor esses tempos que um dia de chuva.
A terra arde enquanto escorre o sangue até o asfalto a fim de evaporar-se quase ao mesmo tempo. Não há novidades, e mesmo o estupor é o de antes. Alguém passou de moto e deu o tiro. Tem sido assim. As pessoas olham curiosas depois falam sobre a temperatura.
-Calor da porra.
Então é como se o mormaço e o sol dessem conta de montar um estilo de vida, uma forma de existência. De dentro do ônibus, duas jovens colocam o pescoço na janela e pedem que um outro veículo venha e os parta, porém é mentira que querem morrer. Elas apenas se julgam imortais.
Ou imorais. Ou com alguma vontade de vida que se sobrepõe, não se sabe. Elas são estudantes secundaristas, enquanto o homem que as observa no último banco acredita ser poeta. Todo mundo é poeta na cidade, prosador não encontramos algum. Também, ao que parece, dizem ser muito mais fácil escrever poesia.
Ele pensa em ofertar a elas um verso, sendo que na verdade nutre sonhos de sedução. Só que está suado e pegajoso, enquanto o ônibus cheio. Desistir e ficar quieto, como em todos os outros dias e todas as outras vezes. O desejo perturba e vai embora. O suor queima os olhos e escorre pelo caminho do rosto.
À frente, trânsito parado. Um assalto. Dois tiros. Por sorte não pegou em ninguém. Linha 678.
O poeta desce na parada seguinte. As meninas o olham distraídas, e é como se a visão delas atravessasse por um grande nada. Ele se senta. Deve caminhar mas sente preguiça. Toma água. Reflete. Está cedo para a aula. Vai tentar escrever mais um verso ruim.
Um homem sem camisa passa do outro lado da rua. Ele mora logo ali no viaduto e se anima por não estar frio. Anda nu, na verdade. O poeta o observa e tenta pensar algo importante sobre ele. Sai uma rima ridícula. Os carros buzinam e ele se sente sozinho.
Na loja do shopping, há promoção de ventiladores. Já do lado de fora os carros pegam fogo. O barulho é irritante e no mais tudo é vazio.
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