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Após o assassinato do autor, já dono do reino da literatura, o leitor passou a ficar acomodado e preguiçoso. Não viu mais motivos para dedicar-se a algo além do simples exercício do deleite. Quem passou a morrer, desde então, foi ele próprio, vítima de um sedentarismo que talvez pudesse ser mais dramaticamente chamado suicídio.
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Porque nem o autor deveria na verdade estar morto. O trabalho literário somente existe, como tudo mais, enquanto prática social e sistêmica. Há alguém que escreve e realiza sua práxis no que faz. E outro que lê, e outro que vende, e outro que fala bem ou mal, e outro que estuda, e assim por diante. A obra só se configura plenamente em tal conjunto.
3
De todo modo, o autor morreu, e não há como ressuscitá-lo, ao menos não agora. Seu retorno sem dúvida não é para nosso tempo. Logo, devemos deixar os mortos enterrarem seus mortos e cuidar dos vivos que capengam, pelo bem produtivo da literatura.
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O que devemos cobrar do leitor, para depois de comprar e ler o livro, fato este que já não parece pouco? Ora, que não se contente como burguês em guardar para si a experiência, e seja um leitor operário, quer dizer, um indivíduo que a compartilha e busca também contribuir para seu movimento e ampliação.
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Isso se faz de maneira mais perene no ato da escrita, do ensaio, do estudo. Por estes, somos capazes de saber o que foi compreendido por cada pessoa, e que é sempre uma maneira de aumentar as maneiras de compreender. Também somamos ao acervo da fortuna crítica e ajudamos a manter o nome da obra, e abrimos igualmente portas para que outros a pensem e pensem em nós como sujeitos da sociedade daquele livro.
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Porém, é preciso achar que se pode ir adiante, rumo ao terreno do dizer. Não do dizer qualquer, mas da conversa pensada e séria, o que não significa de nenhuma forma a acadêmica. Para tanto, valem bastante outros lugares. Nos cafés, nas livrarias, nas praças, no bar, nos restaurantes. São espaços em que o livro deve ser também vocalizado e fazer-se presente, pois é com tais gestos que o literário toma parte do cotidiano e da vida, não ficando só adstrito a interlúdios de erudição oficial.
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Falar do que se lê, pensar o que se encontra e é escrito. Está aí o que torna o leitor e a literatura vivos. É o que dá à comunidade literária o vigor de que precisa e pede.
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