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É estranho que alguém chegue à pergunta, na literatura, de por que um autor deve escrever de maneira menos clara e mais complicada, se a rigor todo empreendimento literário é resultado desse retardo de compreensão. Mas, considerando que estamos em uma época de mil facilidades, e ninguém quer trabalho com nada, talvez valha retomar um tanto o tema.
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A complexidade na literatura tem uma única função essencial: gerar o comprometimento do leitor. O autor, ao escrever, quer que seu público pague um tributo mínimo para ingressar na obra, como mostra de que de fato está disposto a vislumbrar as profundezas de onde extraiu sua composição. Sem esse pacto, torna-se impossível que o texto se faça como mediador de uma intensa troca entre ambos.
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Secundariamente, o adensamento de uma construção sempre permite um volume maior de interpretações. Pensando em termos metafóricos, ler um texto difícil é como olhar uma floresta no escuro, em que a imaginação salta e se torna prolífica em criar inúmeros seres, mistérios e perigos, que depois se esclarecem à luz do sol.
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Sem dúvida, o avanço da indústria cultural aliado à lógica hipermoderna de um mundo de coisas prontas tem tornado esse procedimento cada vez mais estranho aos indivíduos de hoje. Por essa razão - e também muitas outras a ela vinculadas – o trabalhador cansado e bombardeado por informações constantes acaba por preferir as obras mais fáceis e que exigem menor esforço, isso quando não troca a leitura por séries e redes sociais.
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Contra isso, não adianta ter esperanças. Somente um novo modelo social e de trabalho pode proporcionar às pessoas o tempo livre necessário para fruir adequadamente as produções mais desafiadoras da literatura.
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Claro, há os que dificultam a linguagem por mero preciosismo ou vontade de exibição. Porém não vale se preocupar com eles. Seus resultados não podem ser diferentes de ruins e não entram na conta.
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No labirinto das palavras, perder-se para encontrar a saída é o que se exige.
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