1- O espelho
O espelho
Professor
Porteiro
Alunos
Diretor
Professora
Segunda-feira de manhã cedo. Os alunos ainda não começaram a chegar. A professora estaciona o carro e encontra o porteiro do lado de fora do prédio.
Professora: o que houve?
porteiro: olha aí.
Professora: mas para quê esse espelho?
Porteiro: não sei. Quando cheguei já estava amarrado na porta.
Professora: não dá para tirar?
Porteiro: é muito pesado.
Professora: a gente tenta.
Pegam o espelho cada qual de um lado e tentam movê-lo
Professora: não, não dá. Vamos esperar chegar mais gente.
Chega mais um professor. Ele se aproxima dos dois.
Professor: olha só, que bonito.
porteiro: é sim
Professora: problema é que não tem com passar.
Professor: verdade. Mas ficou bom aí.
porteiro: e vocês vão trabalhar como?
Professores: não sei.
Começam a chegar os primeiros alunos. Eles conversam animados como de costume.
Aluno a: deixa ver se eu estou bonito aqui.
Aluna a: eu também.
Outros alunos: eu também.
Aluno a: ih, sai da frente doido. Cheguei primeiro.
Professora: alguém vai ter de resolver isso, quero dar aula.
O diretor chega. Olha o espelho e interroga com um mau humor agressivo. Fala sempre posicionado diante do espelho.
Diretor: quem foi que botou esse espelho ai?
porteiro: ninguém sabe.
Diretor: isso é uma palhaçada. Vou já fazer um relatório pra denunciar que colocaram na entrada da escola esse troço. Assim não dá, os meninos estão perdendo tempo de aula.
Professora: se continuar aí vai ser o jeito cancelar por hoje.
Diretor: de jeito algum.
Professora: mas vai ficar tarde. Não terá mais como fazer nada.
Diretor: não interessa. Se hoje é dia letivo, é letivo. Vai ter que ter aula. Vamos tentar pular o muro.
Dirige-se na direção do muro. Inspeciona a altura. É elevado demais para subir sem apoio.
Professor: os alunos estão voltando pra casa.
Diretor: pois vão atrás deles.
Professor: mas como?
Diretor: corram!
Somente o porteiro corre atrás dos alunos e os chama para voltarem.
Diretor, para os alunos: eu falei que alguém podia ir embora? A aula só termina quando der o horário.
Aluna a: mas a gente nem está na escola. Aqui o senhor não manda.
Diretor: mando sim. Entrou de farda na rua da escola já é aluno. Então eu mando.
Professor: mas não podemos ficar aqui a manhã toda. Está acumulando gente. É arriscado.
Diretor: eu vou resolver isso agora. Afastem-se.
Saca uma arma. Todos se assustam. Ele aponta para o espelho e atira. O espelho continha intacto.
Porteiro: estranho.
Professora: muito.
Aluno a: caraca. O espelho é de aço.
Professor: não quebra.
Diretor: alguém vai pagar caro por essa porcaria. Que falta de respeito! Osvaldo, ligue já para a divisão distrital. Denuncie que um engraçadinho meteu um espelho inquebrável na porta da escola.
Porteiro: está bem, sim senhor.
O porteiro liga. Todos aguardam por ele.
Diretor: então?
Porteiro: a gerente respondeu bastante calma.
Diretor: Mas você explicou o que está acontecendo?
Porteiro: sim.
Diretor: e o que ela disse?
Porteiro: falou para não se preocupar e deixar o espelho aí.
Diretor: mas como?
Porteiro: pois é.
Diretor: e não falou mais nada?
Porteiro: disse que eram ordens superiores. Cada escola agora terá um espelho desses na porta.
Diretor: Verdade?
Porteiro: foi o que ela falou.
Diretor: então está bem. Com certeza terá alguma função.
Professor: talvez.
Porteiro: e o que faremos?
Diretor: vamos suspender as aulas. Aguardar instruções.
Professora: mas e os garotos? E minha prova?
Diretor: nossa obrigação é aguardar. Não discuta.
Os alunos começam a tentar carregar o espelho. Fazem força, até que um leve movimento neste é percebido.
Diretor: podem parar. Quem mexer nesse espelho vai ser transferido da escola, vocês me ouviram? Agora já pra casa.
Professor: e nós? Vamos pra casa também?
Diretor: negativo. Vão para a padaria ao lado e cumpram seu turno.
Professora: mas,
Diretor: daqui a pouco levo o ponto.
Professora: só que,
Diretor: chega.
Professora: sim.
Os alunos se dispersam, conversantes e sorridentes. Os professores cabisbaixos seguem para a padaria. O diretor retorna ao seu carro para improvisar uma folha de ponto. Somente o porteiro permanece na entrada, elaborando gestos de quem não sabe o que fazer.
Cai o pano.
2-Quinze minutos
Quinze minutos
INSPETOR
ALUNO A, B
ALUNA A. B
Inspetor – que houve?
Aluna a- está morta.
Inspetor – morta? A professora?
Aluno a- morta!
Aluno b – morta!
Inspetor – mas como?
aluna a- era a despedida dela.
Aluno a – que triste.
Aluno b – logo no último dia.
Inspetor – mas o que aconteceu? Como é que foi isso?
Aluna a- não foi nossa culpa.
Aluno a – não.
Aluno b- nós só queríamos o melhor para sua pessoa.
Aluna a – a gente amava ela.
Aluno a – a gente a amava.
Aluno b- era assim que ela nos corrigia.
Inspetor – o que quero é que me expliquem como se deu isso.
Aluna a- foi como a gente falou.
Aluno b- rápido.
Aluno a- letal.
Aluno b – como um raio.
Aluna a – foi um flash mesmo. Ninguém nem teve chance de reagir.
Inspetor- Então foi tiro? Mas onde está o sangue? Quem disparou? A arma era de quem?
Aluna a – nada de sangue.
Aluna b, aproximando-se rapidamente – a gente foi tirar uma foto.
Aluno a- rapidinho.
Aluno b – pra recordação.
Aluno a – então aconteceu que, aconteceu que,
Inspetor – aconteceu o quê??
Aluna a- aglomeramos.
Aluno a – era muita gente perto dela.
Aluno b – sim. Muita. Um abraço apertado.
Aluna a – daí alguém disse, sorriam. E depois do brilho, olhamos para o lado.
Aluna b – ela não estava mais em pé.
Aluno b – que catástrofe.
Todos, aleatoriamente – que catástrofe.
Inspetor – ah,
Alunos olham para ele.
Inspetor – então não teve a ver com a escola.
Aluna b – não, de jeito nenhum. A escola não teve culpa de nada.
Inspetor – isso mesmo, que bom que concordam.
Alunos, um por um – concordamos.
Inspetor – também foi na hora do intervalo. Ela tinha bom senso. Isso é o que se pode dizer.
Aluno a – verdade.
Inspetor – alguém avisa o diretor.
Aluna a – eu.
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