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É de causar inveja a muitos intelectuais e artistas a capacidade de associações religiosas - principalmente - e desportivas – além de algumas outras - de mobilizar pessoas em torno de suas congregações, enquanto que do outro lado não se vê mais do que meia-dúzia de gatos pingados. De pronto, pipocam teorias preconceituosas que buscam desqualificar tais agentes de agregação, taxando suas táticas de trapaceiras, ou ainda o próprio público, considerando-o organizado em vista da ignorância e negligência quanto à sensibilidade e assuntos do pensamento.
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Porém, o que esses pensadores esquecem é justo do seu ofício, que se encontra primordialmente em refletir sobre as questões, e não em distribuir juízos. Se assim o fazem, rapidamente percebem que o que se trata não é do objeto aglutinador, ou mesmo de uma técnica persuasiva, e sim da tentativa exitosa de formar comunidade, ou seja, de criar elos aptos a forjar o convívio.
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Ora, o que faz o fiel, o sacerdote, o chefe de torcida? Eles não começam iludindo com riquezas, nem dizem o quanto é legal falar de religião ou campeonatos. Antes, o que propõem é o que se mostra desde já evidente, que é um antídoto contra a solidão. A rigor, sua promessa única é: venha para o nosso lado, e nunca mais estará só. Todo o resto vem depois.
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A vantagem desses proselitistas é que eles cumprem mesmo o combinado. Chegado à sede, o indivíduo é prontamente acolhido. Recebe abraços e mecanismos de integração. Não fica nunca só parado assistindo e vai embora. São rápidos os elementos que o incluem em uma atividade. Desse modo, ele de imediato se sente como membro de algo maior, ao passo que também protegido do abandono que o mundo exterior lhe reserva. Está, pela primeira vez na história, entre seus.
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Depois, é que vem o trabalho ideológico, esse sim sujeito a toda forma de crítica e admoestação. Mas que não se confunda de nenhum modo o agora com o já feito. Algo já foi dado antes. Não se chega a esse momento de mãos vazias. Muitas vezes, inclusive, o prosélito tem plena consciência dessa enganação, mas permanece, pelo simples fato de que lá ele se sente bem, e, no final, o ponto é tão somente esse.
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Mas, e nós – sim, sem dúvida sou parte do problema -, que oferecemos tantas coisas legais e emancipadoras, que estamos tão enlaçados de benefícios, por que falamos sozinhos? De certo, quem andou por nossos grupos já tem uma boa ideia da resposta. Somos sempre um clube para já iniciados e não, os afetos não se encontram no pacote incluídos.
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Uma comunidade artística ou de pensamento pode dar errado por diversos motivos, porém só há um pelo qual ela pode dar certo, e que consiste em encontrar meios integradores de cada indivíduo que se aproxima dela. Os benefícios que oferece, quaisquer que sejam, são posteriores a tal desígnio.
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Desse modo, para podermos encontrar a chave a fim de expandir propostas de reunião, o que devemos é justamente olhar para os religiosos e outros que deram certo e tentar aprender, sem pedantismos ou preconcepções, a arte do comunitarismo. Somente a partir daí poderemos, depois de um longo período de ensino, obter nossos mestres e direcionadores capazes de gerar rumos próprios e inventivos, formando uma sociedade sadia e prolífica de pensamento.
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Impossível? Sem dúvida que não. Na Grécia, era algo que ocorria na praça sem que ninguém achasse demais isso. Hoje, claro, tudo acaba se voltando para a forma das instituições, porém a forma não chega a comprometer o conteúdo. Faremos muito se abandonarmos os exageros de preciosismo.
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Uma comunidade de indivíduos livres, criadores e pensantes, é tudo que queremos. Porém, antes, é preciso que estejamos reunidos, o que se dará se produzirmos o comum. Bons afetos e bons encontros. É o que fará de nós sujeitos e atores das refigurações do mundo.
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