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De um certo modo, pode-se dizer que o estilo acadêmico-científico veio substituindo pouco a pouco o modelo de pensamento baseado na erudição. A ideia era de que a visão clássica estava ultrapassada por ser desconexa com a realidade, um abstracionismo ingênuo e estéril. Desse modo, a ciência tornou-se rainha. Só o que não se sabia é que uma rainha também é capaz de converter-se em tirana.
2
A mudança central para o modelo academicista encontra-se na forma. É preciso que se escreva sob uma certa lógica de resumo, citação, rigor paradigmático e vínculo com fatos investigados, como o físico que anota em quadros suas fórmulas demonstrativas. O problema, todos sabem, é que humanistas não escrevem tais fórmulas. Como resultado, o que se tem é esdrúxulo.
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Ou o que dizer do padrão dos títulos dos nossos trabalhos? Mais prático seria para eles que as ABNTs e afins já oferecessem normativas do tipo complete. Se é na análise do discurso, basta colocar na ordem: o discurso sobre ___ em___. E pronto. Nas outras áreas, talvez algo a mais ou a menos, mas nada que mude tanto: _título meio metafórico_: _tal problema_em_tal obra_. Depois vamos para os outros itens de praxe. A originalidade fica para a epígrafe.
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A necessidade, nos estudos literários, de que a obra se vincule a um problema acadêmico do real, é um engano, senão um engodo. A literatura representa a realidade intuitivamente. Logo, não se trata de ligar os pontos, mas de abrir suas vias de interpretação.
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Mas os cientistas venceram e nada fica se não se envolver por algum meio a um estudo mais sério. Com isso, o que se produz no literário - ou filosófico, ou artístico - são na verdade análises cada vez menos sérias, onde a substância própria do objeto não aparece, somente seus espelhos pálidos. O romance de Milton Hatoum não é um exemplário da identidade, e sim sua poética. Está logo aí o que não vemos.
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Contra esse método amputador, o antídoto mais aceitável é um retorno à erudição, ao passeio rigoroso porém que vai das humanidades às humanidades, do espírito ao espírito, contudo agora pensado sob nosso tempo, em que sabemos que não há exatamente espírito.
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No mundo do significado, o que vale é o que se cria e não o processo que se vê. Antes o rebuscado que a aridez do falso escrito.
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